Enquanto retornava de viagem hoje vinha pensando na vida. Nas
alegrias, nas tristezas, nas decepções e surpresas. Lembrei-me dos últimos dias
de mamãe.
Já dei muitos beijos na vida. Beijos de afeto, de amizade,
de paixão e de agradecimento, mas nenhum me marcou tanto como o derradeiro
beijo dei em minha mãe quando estava em seu leito de morte. Foi o ultimo de
tantos que dei ao longo de toda sua vida. Nunca fui uma pessoa contida, sou
emotivo e gosto de demonstrar meus sentimentos.
É estranho lembrar isto agora, justifica-se a atitude, pois
sempre fui afastado destes ritos de morte como velórios e enterros. Lembro que
emocionado pela perda tinha seu corpo a minha frente solene e sereno como se
dormisse a sua soneca tradicional de depois do almoço. Aproximava-se a hora da
real despedida física. Fecharíamos o caixão e a levaríamos para o túmulo.
Tomado de emoção e ciente de que depois desta oportunidade não
a tocaria mais, aproximei-me e beije-lhe a fronte, um beijo de adeus, mas
também um beijo de respeito e agradecimento.
Já dei muitos beijos nas suas várias formas em pessoas que
não o fizeram por merecer. Amigos, parentes, enfim pessoas que me decepcionei
porque de alguma maneira me iludi em demonstrar demasiado afeto. Posso dizer
que aquele foi o beijo mais importante da minha vida. Beijo qual nunca me
arrependerei de ter dado. Havia selado ali a passagem da minha mãe para o mundo
dos mortos e até quando nos encontrarmos novamente ficarei com a lembrança
daquele beijo.